TEMPO, MEMÓRIA E CORPO

" Há uma realidade, ao menos, que todos aprendemos de dentro, por intuição e não  por simples análise. É  nossa própria pessoa em seu fluir através do tempo. É nosso eu que dura. Podemos não  simpatizar intelectualmente, ou melhor, espiritualmente, com nenhuma outra coisa.Mas simpatizante, seguramente, conosco mesmos."

Henri Bergson in Introdução  a Metafísica 

VIDA é permanência memória , é  o caminho percorrido pelo móvel,  o andar do pensamento, o caminhar do corpo através de sua própria história.

O real, por sua vez, é  um mudar constante na aventura de restituir o extenso ao intenso da experiência do dentro e do fora.

Mas há um grande esquecimento no que se conserva por inteiro,  pois na profundidade de nossa superfície, existimos para o desaparecimento.

TRISTEZA

Beber,

Fumar, 

Morrer um dia

Depois do outro,

Sem saber o que foi a vida,

Este sonho antigo e impossível,

Que me amargou a existência

E me afogou em melancolias,

Em delirantes alegrias

De interditados futuros

De novas infâncias. 

MOVIMENTO E CRIAÇÃO

Estou sempre de partida,

Abandonando a mim mesmo

No incessante fluir da vida.

Sou nada,

Qualquer ninguém, 

Que usa palavras para expressar silêncios 

Que povoam o corpo de afetos 

E movimentos.

Tudo que sou é  natureza viva,

Transformação, 

entrelaçamento do  diverso  

No trabalho das minhas mãos. 

NIILISMO E EXISTÊNCIA

Nossa existência é a mais radical forma de ausência,

Um grande silêncio 

Povoado pela consciência,

Pelas palavras, afetos,

Que se perdem no tempo.

Não há valor ou sentido

Que nos sustente os atos,

Que explique os fatos.

Viver é  perder -se,

Inventar em si qualquer solidão

Que nos livre do mundo.

Patético é  aquele que crê,

Que não  vê  o tempo

Fazendo da morte

O caminho da vida. 

RELATIVA EXISTÊNCIA

Há  horas que não 

Sei se estou vivo

Ou se apenas me antecipo morto

Neste absurdo em que existo

Na imaginação  das coisas,

No acontecer medíocre do mundo,

Que não  passa de caos e nada.

SOBRE A VIDA

E a vida

Dentro de nós 

Foi ficando cada vez menor,

Cada vez pior

Até ser mais que evidente

Que tudo aquilo

Que a gente vivia

Não  era a VIDA.

MORTE EM REBANHO

Um dia a gente morre de uma morte qualquer,

Em um tempo qualquer,

Sem ter vivido

Toda intensidade

Do nascimento.

Um dia a gente morre,

Conformado e inútil,

Em uma vida fortificada

Em nome da lei e da ordem

De um mundo caduco e absurdo.

Pela banalidade de uma estupida sobrevivência.

UMA VIDA INTEIRA

Uma vida inteira é nada.

Não  passa de um instante incerto

Que se reinventa

A sombra dos acontecimentos.

Uma vida inteira é apenas ato de memória,

Um estranho encanto do tempo,

Opaco e indecifrável,

Dentro de outras vidas.

MINHA DOR

Minha dor é  meu abrigo.

Nela me mato na vida,

Crio contra o mundo

Qualquer canção  de guerra.

Minha dor é minha força, 

Meu grito,

Minha revolta.

Em nenhum momento

Ela é  um lamento.