QUANDO EU CRESCER

Quando eu crescer

quero ser ninguém,

morrer sem sofrer

em um dia  frio de outono.

Quero aprender a esquecer,

apagar o mundo,

e, quem sabe, viver de verdade,

contra a realidade

e todas as suas possibilidades.

Quero, quando finalmente eu crescer,

provar a eternidade,

 antes de morrer.

*Crédito da imagem: Instituto Português de Fotografia.

Claudia Martins- Melancolia.

 

MORRER É TUDO QUE IMPORTA

Morrer é a liberdade absoluta,

um livrar-se de si e do mundo.

É não ser  profundamente

no perecível de um corpo,

despersonalizar-se ao ponto

de reduzir a existência a um absurdo.

Morrer é mais importante do que nascer.

ENVELHECIMENTO

Envelhece quem se  perde de si,

quem deixar de ser,

de querer saber,

e passa a  viver de saudades.

Envelhece quem não tem amanhã,

não se contenta com o hoje,

e não tem mais tempo a perder 

Mas envelhece também quem é jovem

e tem todo um futuro pela frente.

A criança que chora no berço,

também envelhece.

Só não envelhece quem já morreu.

Quem vive, 

fatalmente envelhece,

na incerteza de si e do tempo.

LEMBRANÇA

Lembra sempre

que um dia

tudo termina,

que a eternidade não existe,

que nada é para sempre,

e que o nosso ser mais profundo

é insignificante acontecer de superfície.

Lembra sempre que a vida é um raso exercício de indiferença e esquecimento.

BOLHA DE SABÃO

Cada um de nós

é uma realidade banal,

provisória e descartável

como uma bolha de sabão.

O que mais posso acrescentar?

Tudo que é humano é fútil, frágil,

Banal e efêmero

como uma bolha de sabão.

Tudo na vida se resume

a uma bolha de sabão.

NA HORA DA MORTE

O fim acontece 

sem qualquer alarde.

É como se fosse

apenas outra noite.

Mas cai sobre ti

o último sono.

Não há tempo para despedidas.

Tudo termina descretamente.

A vida, simplesmente,

anoitece em seus olhos,

e tudo desacontece,

sem rumo ou ponto de partida.

Hoje será mais turvo

nosso silêncio

e o anoitecer será permanente.

Não importa o dia seguinte 

O fim é coisa que quase não se percebe

até que tudo muda pra sempre.

MORTE E PASSADO

O tempo presente é uma zona de transição entre o passado e a morte.

Em outras palavras, o tempo só existe como passado e, por definição, já estamos todos mortos.

A vida é impessoal e indeterminada e ignora o vazio de cada um de nós. Por isso, a morte sempre supera o passado e tudo em nós se resume a esquecimento.

MORTE E REVOLUÇÃO

A morte nos salva

do poder, do Estado,

de toda religião,

desigualdade e exploração.

Ela nos faz triunfar sobre  aquilo que nos controla e conforma

na medida em que nos liberta de toda necessidade 

e até de nossa miserável vontade.

A morte é a expressão mais radical

de uma revolução.

Graças a ela, 

nada é para sempre.

Todos os reinos ou Estados estão, desde sempre, condenados,

como todos os nossos algozes serão um dia fatalmente derrotados.

A morte é sempre inimiga da ordem

e adversária da tirania e da eternidade.

Pois ela é uma amante da mudança constante

contra todas as certezas e limites que sustentam as ilusão e prisões de toda verdade.

A morte é, em poucas palavras, a mais perfeita amante  da liberdade.

ÚLTIMO DIA

Hoje poderia ser o último dia do mundo

ou a última hora das coisas.

Ninguém se importaria.

Seria bem vinda qualquer catástrofe.

pois já estamos todos saciados de vida.

Não temos espectativas, 

não esperamos futuros.

Nada é importante,

Amanhã não será outro dia.

Hoje poderia ser o fim de todos os dias,

a última valsa,

o fim de todas as despedidas,

com um pouco de dor 

e muita melancolia.