domingo, 7 de dezembro de 2014

VELHO BÊBADO

Seu existir se resumia  a beber naquele bar simples de subúrbio vendo as pessoas e os carros passarem pelo passeio público no desconforto de sua mesa cativa e  solitária. Fumar e beber, praticamente o dia inteiro, era seu ofício ou, como ele mesmo gostava de dizer, seu modo de participar do mundo.
Evidentemente, o mundo para ele não era lá grande coisa, assim como sua própria vida. Tudo se resumia ao simples ato de respirar e beber. Afinal, já não tinha mais uma vida inteira pela frente. Era agora apenas um velho aposentado e sozinho. Não fazia planos. Apenas esperava a morte. Sabia que nada mais havia para acontecer em sua vida além daquela rotina vazia e inútil de sobrevida.
O mundo a sua volta era  medíocre , na falta de uma palavra mais insultante. Resumia-se naquele vai e vem estúpido  de pessoas  na rua fazendo coisas idiotas e rotineiras, aquelas mulheres jovens e sensuais que cheiravam a prazer, mas que jamais levaria para cama, aqueles casais  retardados de mãos dadas que , na maioria dos casos, da qui a alguns anos,  nem se reconheceriam na lembrança de seus beijos. Isso para não falar nada sobre as insanidades das noticias no jornal ou da falta de educação e ignorância dos bêbados que bebiam a sua volta. Tudo era absolutamente detestável.
Mas para que pensar em tudo isso? A bebida ajudava a esquecer e dava uma sensação de dormência no cérebro que lhe rendia algum prazer, como a coragem de mostrar o dedo para quem sem querer olhasse pra ele naquela mesa de bar. As velhas da igreja eram as principais vitimas do seu dedo erótico. Sempre  deixavam um olhar de recriminação quando passavam por ali  e se admiravam com o fato de sua presença constante, como se fosse parte da paisagem  de bar.
O bar ficava exatamente ao lado do prédio de seis andares em que morava. Toda madrugada, quando o estabelecimento fechava, cambaleava  menos de um  metro  até o portão e mandava o porteiro tomar no olho fundo do cu. Nada de boa noite. Isso era tudo que ele precisava escutar para  interromper o cochilo e abrir o portão.
A noite o bar ficava mais movimentado. Além de outros velhos beberrões e, ao contrário dele, barulhentos e carentes de uma boa conversa, haviam também alguns jovens pobres e sem perspectivas que dividiam sempre uma garrafa de conhaque, conversavam sobre rock, meninas e drogas, antes de partirem para alguma festa ou evento. Estes apareciam mais aos fins de semana.Mas nada dessa porra toda fazia a mínima diferença ou tinha alguma importância.
Aquela noite quente não teve nada de diferente de todas as outras noites de bebedeira. Por volta das duas da manhã o bar fechou e foi pra casa. Tinha ainda um cigarro na boca quando entrou sozinho no elevador com destino ao seu  apartamento de um quarto que fedia a merda e vômito, segundo  a família idiota do apartamento ao lado.
A única coisa de diferente foi o fedor do apartamento alguns dias depois.  Tornou-se absolutamente insuportável e se espalhou pelo prédio inteiro. Esta foi sua última bravata. O fedor do  seu cadáver incomodando todo mundo. Infelizmente a morte não lhe permitia rir da confusão toda. Ninguém pagou seu enterro. Acabou enterrado como indigente.     


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