Seu existir se resumia a beber naquele bar simples de subúrbio vendo
as pessoas e os carros passarem pelo passeio público no desconforto de sua mesa
cativa e solitária. Fumar e beber,
praticamente o dia inteiro, era seu ofício ou, como ele mesmo gostava de dizer,
seu modo de participar do mundo.
Evidentemente, o mundo para ele
não era lá grande coisa, assim como sua própria vida. Tudo se resumia ao
simples ato de respirar e beber. Afinal, já não tinha mais uma vida inteira
pela frente. Era agora apenas um velho aposentado e sozinho. Não fazia planos.
Apenas esperava a morte. Sabia que nada mais havia para acontecer em sua vida
além daquela rotina vazia e inútil de sobrevida.
O mundo a sua volta era medíocre , na falta de uma palavra mais
insultante. Resumia-se naquele vai e vem estúpido de pessoas
na rua fazendo coisas idiotas e rotineiras, aquelas mulheres jovens e
sensuais que cheiravam a prazer, mas que jamais levaria para cama, aqueles
casais retardados de mãos dadas que , na
maioria dos casos, da qui a alguns anos,
nem se reconheceriam na lembrança de seus beijos. Isso para não falar
nada sobre as insanidades das noticias no jornal ou da falta de educação e
ignorância dos bêbados que bebiam a sua volta. Tudo era absolutamente
detestável.
Mas para que pensar em tudo isso?
A bebida ajudava a esquecer e dava uma sensação de dormência no cérebro que lhe
rendia algum prazer, como a coragem de mostrar o dedo para quem sem querer
olhasse pra ele naquela mesa de bar. As velhas da igreja eram as principais
vitimas do seu dedo erótico. Sempre
deixavam um olhar de recriminação quando passavam por ali e se admiravam com o fato de sua presença
constante, como se fosse parte da paisagem
de bar.
O bar ficava exatamente ao lado
do prédio de seis andares em que morava. Toda madrugada, quando o estabelecimento
fechava, cambaleava menos de um metro até o portão e mandava o porteiro tomar no
olho fundo do cu. Nada de boa noite. Isso era tudo que ele precisava escutar
para interromper o cochilo e abrir o
portão.
A noite o bar ficava mais movimentado.
Além de outros velhos beberrões e, ao contrário dele, barulhentos e carentes de
uma boa conversa, haviam também alguns jovens pobres e sem perspectivas que
dividiam sempre uma garrafa de conhaque, conversavam sobre rock, meninas e
drogas, antes de partirem para alguma festa ou evento. Estes apareciam mais aos
fins de semana.Mas nada dessa porra toda fazia a mínima diferença ou tinha
alguma importância.
Aquela noite quente não teve nada
de diferente de todas as outras noites de bebedeira. Por volta das duas da
manhã o bar fechou e foi pra casa. Tinha ainda um cigarro na boca quando entrou
sozinho no elevador com destino ao seu apartamento
de um quarto que fedia a merda e vômito, segundo a família idiota do apartamento ao lado.
A única coisa de diferente foi o
fedor do apartamento alguns dias depois.
Tornou-se absolutamente insuportável e se espalhou pelo prédio inteiro.
Esta foi sua última bravata. O fedor do
seu cadáver incomodando todo mundo. Infelizmente a morte não lhe
permitia rir da confusão toda. Ninguém pagou seu enterro. Acabou enterrado como
indigente.
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