O QUASE NÃO SER DA PEDRA

Uma pedra decora a paisagem
indiferente ao passar do tempo,
como um objeto alheio a qualquer sujeito.
Seu existir é quase não ser.
Pois uma pedra não acontece,
não participa do momento.
Uma pedra é apenas uma pedra.
É pura e concreta indiferença.

VEJO PESSOAS MORTAS

Vejo pessoas mortas na televisão.
Elas falam e andam dentro dos filmes
com a mesma naturalidade
com que cantam, as vezes, no rádio.
Ouso mesmo dizer que, para o  mundo,
elas estão mais vivas do que eu.

Pessoas famosas nunca morrem por inteiro.
Os outros não deixam.
Sempre precisam delas.
Provam, assim, que a morte não é igual
para todos
e que fantasmas, de alguma maneira,
de fato realmente existem.

O TEMPO E A VIDA

O passado é o domínio dos mortos,
quanto mais  nele mergulhamos 
mediante nostalgias e ansiedades,
menos vivemos o imediato.
Por outro lado, 
o futuro é o tempo dos não nascidos
 e o presente  o insuportável do agora
nas ansiedades e pequenas agonias dos viventes.
Já a eternidade não existe,
assim como o céu , o inferno
e a felicidade.

ANSIEDADE CONTEMPORÂNEA

Vivo a agonia 
de um inacabamento constante
a espera da morte como conclusão.
Desabo sobre meus atos
vivendo aos pedaços
entre obrigações e ócios.
Sou triste durante o dia
e inquieto no decorrer da noite.
Estou sempre ansioso
e desconfiando do futuro.
Sei que o agora é sempre pouco
e que a existência carece de soluções.

AOS INIMIGOS DO SUICÍDIO

Os inimigos do suicídio
não são amigos da vida,
mas escravos da moral
e servos da ignorância.
A morte equivale a vida
na unidade do ser e do não ser.
Existir é tão frágil
quanto qualquer ilusão de eternidade,
nem vale o instante de morrer.

ANTES DO FIM

Sou um rosto,

um nome e um silêncio.

Nada disso faz muito sentido.

Fosse eu um não nascido,

o mundo ainda seria mundo

e o universo este absurdo

quase ilegível.

Por isso pouco me importa a vida

ou o futuro da humanidade.

Estou mais preocupado em inventar a mim mesmo

antes que a morte me resolva através do nada.

MORRER DORMINDO

Soube que fulana morreu dormindo.
Fico feliz por fulana
que nunca pensou na morte,
viveu sua vida
e se desfez sem desgosto,
adeus ou choro.

Espero morrer como fulana
indiferente ao meu próprio fim
enquanto me desfaço
nas paisagens de algum sonho.

O EU E OS OUTROS E A MEMÓRIA

A experiência do passado não se confunde com a memoria de acontecimentos perdidos no tempo. Ela é personificada, em sua forma mais radical, pelas pessoas com as quais compartilhamos a vida. 

Aqueles que nos acompanham, vivos ou mortos, por toda existência, dizem não apenas nossa história , mas quem fomos em nossas biografias e o que fica de nós como lembrança.

O passado é uma experiencia humana e compartilhada.

A VIDA É UM ACIDENTE SEM CONSEQUÊNCIAS

Não podemos recuperar o passado
e muito menos recomeçar no futuro.
O tempo corrói tudo.

A vida não tem substância.
Não passa de uma ilusão passageira,
um golpe de consciência
que apenas a biologia explica
como acidental realização
do absurdo da existência.

A vida é um acidente sem consequências...

O INVISÍVEL DO FIM

O fim simplesmente nos escapa.
Meus últimos momentos 
não serão minha morte.
Apenas minha existência 
antes do nada.

O fluxo da duração é inconcluso.
A vida apenas deixa de ser
em um minuto
como se nunca tivesse existido.

Isso é algo que não se pode compreender.
Nunca saberemos o fim
no nosso momento de morte.

ADIVINHAÇÃO

A sucessão aleatória dos momentos
não me conduz ao futuro.
Apenas impõe a constância do instante
em perpétuo movimento
de tédio e existência.
Sigo impreciso e incerto
sem compreender o passar do tempo,
a corrosão do vivido.
Tento antever o futuro.
Mas ele não existe...

SEM FUTURO

Não podemos ficar parados.
Mas não iremos vencer.
Nos cabe apenas seguir em frente
acumulando frustrações,
colecionando derrotas
e simulando normalidades.

Mesmo quando tudo deu errado,
A vida precisa continuar.
Pouco importa o que nos aconteça.
O caminho é tudo que existe.
Não importa se pouco existimos.

DOENÇA

A  morte explica a biologia
quando a doença é simples consequência
da vida.

O que importa é ter sorte
até o apagar do tempo e do espaço
através do corpo
que cala a biografia.

A morte é o tudo que nos reduz a nada.
Não cabe na poesia

ou em qualquer palavra...

A MORTE ATRAVÉS DA VIDA

"Contra a abstração das boas intenções , desconfiando igualmente dos bons sentimentos que, frequentemente, estão cheios de ressentimentos, reconheçamos, de uma maneira empírica, a intima relação entre a vida e a morte."

Michel Maffesoli in O Encanto Eterno: O retorno do Trágico nas Sociedades Pós Modernas

A vida é queda e vertigem. O tempo todo  mergulhamos na existência em trabalho de despedassamento e restaurações. Vivemos através de  uma  sucessão diária de pequenas mortes e renascimentos que apenas nos conduzem a um deslocamento cada vez mais profundo das certezas de nascimento.  Nos desencontramos de nós mesmos para saber a vida através da morte com o o simples acontecer do corpo em plenitude e agonia constante. Não existe vida após a morte, mas apenas morte através da vida.  

O FUNDAMENTO DA VIDA É A MORTE

A vida é um acidente catastroficamente insignificante
Observo os livros na estante
e tenho muita pena da humanidade.
Todo esforço  filosófico
deveria ser para inventar qualquer consciência de finitude
que reduzisse a existência 
a  uma experiencia de morte. 

O TEMPO QUE MATA

O tempo vai passando,
as coisas vão mudando
e a gente vai percebendo
o quanto nada fica
e nossas certezas são consumidas
pela ilusão de um momento
ou consumidas pelo buraco
que dorme no acontecer de um segundo.

Amanhã pode ser outro dia
ou hoje apenas tarde demais...