BREVE NOTA SOBRE MINHA MORTE

Sei que um dia me deitarei para morrer como muitos outros. E sobrará em mim apenas o espanto de ter nascido para simplesmente desaparecer e nada mais do que isso. Serei apenas meu corpo , descartável e incômodo. Apenas um resto, um silencio selado para sempre, que nada mais lembra a vida.

Importante pensar sobre isso antes que tudo que fui  desapareça no mais turvo  esquecimento.

MITIFICAÇÃO DA EXISTÊNCIA

O passado é como um sonho.

Tempo sem realidade

Onde a memoria se impõe aos fatos.

Onde a identidade fala mais

Do que o agora,

Do que a vida que segue.

A revelia de todo o meu sentimento

De existência presente

Sou essencialmente

Um eu que lembra e sonha

Sua mais abstrata e profunda

Verdade.

QUERER VIVER

O querer viver é inercial.

Não passa de instinto de sobrevivência,

Não se entende através de filosofias.

É tão absurdo quanto á própria vida.

Não cabe ao pensamento

Justificar a existência

Ou lhe fazer apologias.

Vivemos sem justificativas...

DIANTE DA MORTE

A proximidade da morte liberta a vida de conclusões e corrói as teleologias que lhes impomos. Diante do fim nos livramos de todas as nossas certezas e  somos abatidos pelo conformismo do mais sereno desespero.

Confrontados com a morte, tocamos os limites das convicções religiosas, pois o desdizer da própria existência e sua fatalidade irreversível é uma experiência que pode ser domesticada pela convicção ingênua em qualquer crença de existência pós morte. Morrer muda absolutamente tudo. Inclusive quem fomos, visto que todas as possibilidades de mudança e realização de si  são canceladas.

ANTI ILUMINISMO MORBIDO

Recuso as luzes da moral e da razão.

Pois sou intimo do sonho e do absurdo.

Minha linguagem é o paradoxo,

O impossível que transcende

O verdadeiro e o falso simultaneamente.

A vida inteira não passa de um instante

Contra o qual me debato em busca de sobrevivência.

Mas é inútil...

Cada passo aproxima o abismo

E me revela que nenhuma  verdade

Explica a vida.

Pois em si mesma,

Ela não faz sentido.

O LIMITE DA VIDA

Caso meus entes queridos

Tivessem vivido mais alguns anos

É certo que isso nada mudaria

o ponto final de suas vidas.

Todas as nossas realizações são relativas,

Chega sempre um momento em que não faz diferença

O que ainda pode ser feito.

Mas apenas os mais velhos sabem disso.

Os jovens e desequilibrados, ao contrário,

Valorizam em demasia os seus feitos

E afetos.

A FALÁCIA DA VERDADE

A verdade é só uma coisa que inventaram

Para nos convencer da felicidade.

Não passa de uma conveniente ilusão.

Como, afinal, poderíamos de outra forma

Suportar a existência,

Lidar com o caos e a falta de sentido

Que define a realidade?

Precisamos de segurança

Para resistir a nos mesmos

E afirmar a vida.

Precisamos de explicações,

Saber causas e efeitos.

Somos como crianças

Brincando no deserto.

QUASE NADA

Todas as  pegadas estão apagadas

E já não sei mais o caminho

Através do qual cheguei a este indeterminado ponto.

Apenas aconteço aqui e agora

Entre incertezas e espantos.

Só sei que ainda não estou pronto

Para enfrentar o futuro,

Para saber conclusões

Ou vislumbrar a iminência do fim.

Não concebo meu ponto final.

Não me reconheço no silêncio.

Mas sei que tudo que me diz respeito

Já foi reduzido a um grande ponto de interrogação.

ATÉ ONDE A VIDA VALE A PENA?

O que nos resta fazer quando a existência já não vive e apenas reproduzimos rotinas?  Quando os dias são reduzidos a protocolos e ritos de calendário, quando respirar e comer exige demasiado esforço? Não são poucos que assim vivem por ai a fora suportando o peso da própria vida por sofrerem de patologias físicas ou mentais. Mas quase nunca nos lembramos que nem todas as pessoas são saudáveis e que uma existência pode ser mais miserável do que supomos.  Até onde viver vale a pena?

AFORISMOS SOBRE MEMÓRIA

Chega uma hora em que precisamos acordar para o passado e, através dele, saber mais sobre o nosso presente, sobre seus vazios e silêncios no irracional devir que é o tempo. Trata-se de redefinir o esquecimento essencial que nos configura como seres humanos.

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Sou assombrado por muita coisa que deixei de fazer.

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Pensar, em alguma medida, equivale a lembrar.

O próprio pensamento é um exercício de memoria...

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Velhos amigos nunca lembram da mesma forma os bons momentos compartilhados. Cada um vive e lembra apenas da sua própria história.

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A memoria é tão seletiva quanto o ego é indeterminado.

A VIDA NÃO TEM SOLUÇÃO

Na vida a solução de determinado problema conduz a novos problemas. Não temos qualquer controle sobre isso. É como uma maldição. Passamos o tempo todo inventando arranjos e  falsas soluções. Isso é o que chamamos de sobrevivência: um constante dar respostas a situações dadas. É assim até que a morte lhe tire do jogo provando que a vida é um problema sem qualquer solução. 

ÚLTIMO DIA

Tenho canções para ouvir antes do por do sol,

Algumas lembranças felizes para enfeitar a noite

E muitos vazios para suportar.

Mas logo estarei com sono

E tudo não fará mais sentido.

Está chegando o último dia do mundo,

O inevitável silêncio da minha existência.

Já é quase tarde demais.

Penso em tudo que não pôde ter sido

E no que não será mais.

O fim é apenas um quarto vazio.

Mas nada é mais triste do que o esquecimento,

Do que não ser lembrança dentro da tristeza de alguém...

A VIDA DEPOIS DO SUICÍDIO

O êxtase da mentira é a verdade.

Assim diziam os 60% do meu ser

Que se mataram ontem

Logo após o jantar.

Estavam intoxicados de alegria

E indiferentes ao tedio.

 Sua euforia era insuportável

E só poderia mesmo terminar

Em tal desatino.

Logo, não lamento a perda

E comedidamente celebro o silencio

Que sucedeu o fato.

40% do meu ser ainda existem em desespero.

O CORPO E O TEMPO

Envelheço sob protesto.

Faria de tudo para ter de volta

A antiga juventude,

O vigor e o apetite de antigamente.

É meu próprio corpo que, aos poucos,

Perde a capacidade de se fazer e refazer

Diariamente.

O tempo lhe serve apenas como pano de fundo.

Sei a vida em movimento

Através de mim

Na existência em devir de toda a espécie humana.

CONTRA MÁRTIRES E HERÓIS

Sócrates preferiu a morte do que pautar sua vida pelas leis da polis ateniense, pelo menos é o que nos garante seu discípulo Platão, dando ao tema uma interpretação metafisica. Mas muitos de nós fica mais a vontade com Epícuro e seu hedonismo. Para este a morte é quase uma banalidade diante dos prazeres da vida. A ilusão de morrer em nome de qualquer coisa que seja apostando em algum ideal abstrato de eternidade, não faria na filosofia deste ultimo o mínimo cabimento.

Não se trata aqui de uma critica ao suicídio. Longe disso. Não é condenável morrer pela falta de sentido da existência. Morrer em nome de algum objetivo nobre, ao contrario, parece-me patético, um contrassenso. Afinal, não deveria a vida estar acima de qualquer principio ou valor para os partidários de teleologias? Talvez a convicção de uma suposta eternidade ou outra vida onde, caso fossem virtuosos, seriam dignos de glorias e conquistas, alimente a tola ilusão do auto sacrifício altruísta. Isso, evidentemente, não o torna menos ridículos como todos os heróis e mártires de grandes causas vazias.

TUDO VAI DAR EM NADA

Cultivo hesitações e medos banais.

Nisso sou como todos os outros.

Tento conquistar um pouco de segurança

Contra uma realidade caótica.

Minhas escolhas são abstratas

E carentes de eficácia.

Não faço planos.

Sei o quanto a vida é relativa.

Que tudo vai dar em nada...