segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

A MORTE DO HOMEM SEM ROSTO ( BREVE MONOLOGO)

Penso em todas as horas perdidas, ao longo de toda uma vida, em nome da simples reprodução diária e mecânica, de obrigações vazias e fúteis.

Grande parte do meu tempo foi dedicada por anos a realização de uma persona. Vivi mais para as necessidades da sociedade do que para minha auto realização e busca de liberdade.  Simplesmente, nunca estive no primeiro plano da minha própria vida. Fui apenas um adulto produtivo, zeloso com suas obrigações sociais, e agora , simplesmente, me tornei um velho inútil e passivo. Quase um ninguém...  Alguém cuja unica expectativa é continuar acordando e respirando no dia seguinte. 

Por outro lado, nunca fui muito profundo. Não tinha um rosto por de traz da mascara.... Eu era minha própria mascara. Nunca vivi de verdade e tinha aqueles sonhos e desejos pre fabricados pelo imaginário social. Eu, simplesmente, era como todo mundo.

Agora percebo que toda a minha vida foi o equivoco de realizar demasiadamente tudo aquilo que esperavam de mim. Sempre segui as regras e não me permiti desvios... nunca corri o risco de um autentico suspiro de existência.

Agora é tarde para tudo....
É tarde até mesmo para me arrepender. 
Minha morte será um dado estatístico.

meus entes queridos chorarão por mim e depois do luto seguirão em frente, reproduzindo vidas tão inúteis quanto a minha. Serão produtivos, conquistarão algum sucesso e, com um pouco de sorte, caso envelheçam, percebam a inutilidade e o ridículo de suas ordinárias biografias....


DIAS DE TÉDIO

O tédio é tão grande que desdenho o momento,
que não me importo...
apenas sigo o roteiro do dia
sem esperar grandes prazeres.

Sujo de rotina adivinho o futuro
como um vazio entre a vontade e o gesto,
entre uma refeição e outra.

Poucas coisas são mais tristes
do que uma noite de domingo.
tenho uma semana inteira
para me perder em rotinas.

tenho o tédio,
em movimento,
entre a preguiça, o sono
e a morte.,

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

NÃO SOMOS IMPORTANTES



A noção de crescimento e declínio para descrever o movimento cíclico do existir biológico é uma peculiaridade humana. A natureza é indiferente à perenidade da existência e a morte expressa um impasse entre cultura e natureza. O significado da vida ou sua valoração é uma teleologia que o próprio ciclo vital desconstrói a cada óbito. A cultura nos leva a dar a experiência humana uma importância que ela absolutamente não tem.


O AVESSO DO FUTURO



Guardo boas lembranças dos meus futuros,
Daqueles dias que nunca foram ou serão.
Por isso existo tão ausente de mim mesmo.

Sou feito de muita coisa que nunca aconteceu.
Acho mesmo que meus dias não cabem na minha existência.

Só me percebo em meus silêncios e nos meus eus não vividos.
Duvido da própria vida,
Minha única certeza é a morte.
O futuro é mera ilusão.


FINITUDE E CONSCIENCIA



A plena consciência da morte, sem a mediação de fantasias religiosas ou do engodo da vida eterna, apenas nos conduz a uma consideração e preocupação mais apurada com a vida. Afinal, se tudo é efêmero e perene, cada instante torna-se um tesouro. A falta de sentido é o que de fato torna a vida interessante. Por isso ocupar-se da própria finitude como problema, nos faz valorizar a vida, considerá-la de uma perspectiva mais realista e menos condicionada as vontades de circunstância ou ao egocentrismo.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

DOENÇA E FINITUDE





A vivência de uma doença grave nos proporciona uma percepção mais realista de nossa fragilidade e limitação física nas paisagens do mundo. O ser humano é uma criatura  precária. Apesar de sua singular capacidade de transformar a natureza, adaptando o meio a si mesmo, não é capaz de se transformar. Nem mesmo percebe suas estranhezas e bizarrices de tão orgulhoso das realizações de sua preciosa cultura.

Mas a doença, que o progresso da medicina nos ajuda cada vez mais a suportar, coloca a todos diante da finitude. Este marco absoluto da nadificação do ser humano. Não importa o quanto as fantasias religiosas nos enganem em relação a morte, cada um de nós antecipa através da morte individual a futura e aparentemente remota extinção da espécie.


UM DIA RUIM



Um dia ruim pode durar para sempre,
Ecoar pelo futuro
E contaminar o passado,
Destruir nossas certezas,
Esperanças e desejos
Até que tudo que reste
Seja a antecipação da morte.

Não é difícil a vida perder o sentido.
Basta apenas um pouco de lucidez
Para que o jardim perca suas cores.

Um dia ruim dura uma vida inteira....