quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O FIM DE ANO DE UMA IDOSA

Era o ultimo dia do ano. Assim todos diziam. Eu pessoalmente não me importava com isso. O ano não passa de uma convenção estabelecida pela estupidez do calendário. Tudo que sei é que estamos morrendo o tempo todo e que o tempo passa sem regra.

Afinal de contas hoje tenho cento e quatro anos  e não saio nunca deste quarto de fim de mundo onde ninguém me visita. Onde tudo que existe é minha consciência teimosa, que insiste em ser  quando o meu próprio corpo já me desconhece.

Não sei se chamo isso de vida.  Me considero  uma sucata esquecida em um canto de nada a margem da existência. Depois de tantos anos e tantas coisas vividas, percebo que tudo acaba em pó e esquecimento. Família, trabalho, sucesso e realizações de todo tipo, todas as  coisas  boas e más  que vivi um dia,   não passam agora de pálida lembrança. Não fazem mais diferença. Nem de longe lembro quem já fui um dia no acontecer do mundo.

É o ultimo dia do ano. Mas eu nem sei mais o passar dos anos. Minha época já se foi e o mundo de hoje não me interessa. Vocês entenderão isso caso vivam mais do que o suficiente. Chega mesmo uma hora em que continuar vivendo se torna um capricho. Medo da morte é um privilegio dos jovens. Depois que todo mundo que amamos morre e que perdemos a saúde a morte passa a ser um privilegio.

Tive uma amiga que morreu no dia seguinte a morte da filha. Ela simplesmente desistiu de viver e morreu. Isso acontece. Muita gente desiste da vida e acaba morrendo.  Não são raros os casos em que adoecemos de desgosto ou tristeza. Mas é claro que ninguém quer ouvir sobre isso.


É o ultimo dia do ano.... Não sei se chego ao ultimo dia do ano que vem.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

NÃO TIVE FILHOS

Sou feliz por não ter tido filhos.
Não carrego o peso da existência de ninguém.
Nem me culpo por ter transmitido  a vida
Em um mundo tão deplorável.
Simplesmente, não propiciei a outra pessoa
O martilho de ser.
Melhor assim.

Sempre tive inveja dos não nascidos.

DIANTE DA INEXISTÊNCIA

A inexistência é a regra do tempo.
Ser não passa de um acidente
Que dura menos que um simples momento.
Então, como medir o valor da  existência
Se não existimos o suficiente
Para saber os ritmos do mundo
E a realidade das pedras?
A vida é pouco complexa
Quando imaginamos a eternidade.
Desde sempre inexisto
Sorrindo ao vazio...


segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

SOBRE O IMPOSSÍVEL DESTE MOMENTO


É tímido o momento de agora.
Não oferece grandes significados,
Promessas e muito menos pequenas alegrias
Que aliviem o peso do passar do tempo.
Serenamente as coisas acontecem sem brilho,
Sofremos rotinas,
Choramos os dias, os vazios e desencantos.
O momento de agora é efêmero,
Vazio e raso
Enquanto tudo parece urgente e impossível

Neste mundo que existe a margem da gente.

domingo, 25 de dezembro de 2016

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER

Sou este quase não ser
No provisório acontecer
Do acúmulo de agora
Onde através de imagens de mundo
Me contemplo como finitude.
Tudo que acontece
Está fadado ao desaparecimento.
E mesmo a afirmação deste fato
Não muda nada na consciência viva
Da falência múltipla de cada instante.
Um brinde a insustentável leveza do ser.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

SOBRE O NÃO SENTIDO DA VIDA

Não sei quando tempo de vida ainda me resta nesta loteria absurda chamada existência onde todos os lances concorrem para o meu fim. Mas isso não faz qualquer diferença. Viver toda uma eternidade não seria suficiente para cobrir de pleno sentido minha rota existência. Afinal, existir é uma condição precária, um dilema que nunca se resolve. Não passa de uma busca sem sentido pela reprodução diária e indefinida de mim mesmo entre a indistinção e confusão de nossa condição biológica.

A MORTE NA FOTOGRAFIA

A fotografia é muda,
estática,
um movimento abortado.
É como uma espécie de assassinato simbólico.
Ela não tem vida
e se apresenta como testemunha fúnebre
de um pedaço de momento rasgado,
perdido,
despedaçado através do registro de um instante
que não diz nada além disso.
Depois que o tempo passa
e corróe lembranças,
uma imagem não conta sua história.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

SOBRE ESTAR VIVO

Depois de um questionamento radical de todas as premissas, conclui que a condição humana é um erro absurdo, uma piada do acaso. Mas a vida não passa de um fardo temporário a ser suportado, já que não comporta conclusões ou soluções.  Estamos vivos e este é o desagradável fato. Só nos testa diante dele a perplexidade e o espanto. Sofre-lo com dignidade até que o engano se desfaça.


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Vivo a deriva: existo...

A BANALIZAÇÃO DA EXISTÊNCIA

Toda experiência humana foi reduzida a banalidade, ao raso e imediato de um momento fechado no eterno retorno da simples reprodução do nosso ciclo vital. Tudo que importa é continuar vivendo, reeditar a própria existência em variações infinitas da banalidade de viver rotinas. Por maior que seja o progresso pessoal alcançado, não ultrapassamos a fronteira das necessidades. O desejo e a compulsão pelo progresso biográfico constante se opõem agora a qualquer estratégia de liberdade ou construção de subjetividade. Vivemos em uma cultura orientada para o utilitarismo mais estreito. 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

TEMPO E ESQUECIMENTO

Quanto dura uma vida?
Será que faz diferença o acumulo dos anos
Quando a morte nos desinventa?

Talvez tudo que vivemos seja, então,
Reduzido a nada de tal forma
Que o tempo em que fomos
Não caiba se quer em uma lembrança.

Estamos vivos, morremos...
Mas até que ponto existimos?
Irrelevante é a quantidade dos anos.
Se quer em vida ainda lembramos

De tudo que um dia fomos.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

SEM FUTURO

Algumas pessoas não tem futuro.
Para elas a morte é um conceito vago
Pois sua própria existência não vive.

Tais pessoas existem sem expectativas,
Realizações ou possibilidades.
Apenas executam rotinas.
Respiram, falam , andam,
Trabalham
E até mesmo amam.

Suas vidas, entretanto,
Já não tem solução.

São rotinas vazias e sem amanhã.

VIVER É AGORA

Vivo das coisas imediatas.
Não faço compras nem planos
A longo prazo.
O futuro  é perecível
E o agora é urgente.
Vamos tomar café na praia,
Sorrir ao sol
e brincar com nossas preocupações cotidianas.
Nada dura para sempre.
Muitas vezes

Não dura um dia.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O SILÊNCIO DAS PALAVRAS



Quando abatido não vejo sentido
Em qualquer palavra possível.
Todo dizer me parece inútil.
Nada que pode ser dito
Faz real diferença ou sentido
Diante do efêmero e vago ato de existir.
Palavras não passam de um artificio.
Não resolvem a vida,

Não apagam a morte.

A FATALIDADE DA INCERTEZA

Concretamente existimos na superfície do mais banal acontecer cotidiano. Nos ocupamos de tarefas pequenas e acreditamos que tudo se repete na sucessão dos dias. Assim apostamos no previsível pressupondo em relação aos fatos alguma previsibilidade. O problema é que estamos equivocados e a verdade é que, independente de todas as evidencias, podemos  morrer a qualquer momento, por mero e gratuita obra do acaso.


Rezar não vai mudar isso.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

MAL SÚBITO


Temo a hipótese de um mal repentino,
De um tropeço físico
Que me quebre a rotina
E me leve a grave enfermidade.

Sei que o futuro não existe
E o fim é certo
Neste discreto caos cotidiano.

O tempo nos corrompe.
Qualquer hora deixo de acontecer.
Não é uma questão de sorte.


A IMPORTÂNCIA DE SER LEMBRADO

Quando se leva uma vida banal, morrer pode ser uma mera formalidade. Muitas existências são tão vazias e descartáveis que não fazem a menor diferença para ninguém.

Partindo da premissa de que a existência não possui qualquer sentido, constituindo um ato aleatório do acaso, uma vida humana só adquiri significado através daqueles que  a consideram. Somos através daqueles que amamos e que nos amam, com os quais compartilhamos o mundo e a realidade.

Sem eles nos perdemos na eternidade do esquecimento.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

DEIXAR PARA TRAZ

Deixo para traz mais um ano
Acumulando perdas e amargando mudanças.
Nada será de novo como sempre foi.
Faço o balanço provisório do que me restou.
Tenho menos do que preciso
E mais do que esperava.

O novo ainda me desperta desejos,
Mas não cabe na madrugada
Que me afasta da manhã seguinte.
Posso dormir para sempre.
Tanto faz se o tempo passa.
Ninguém me espera no ano seguinte,

Minha vida inteira foi adiada.

OFUSCAÇÃO


Hoje acordei tão lúcido
Que me surpreendi meio morto,
Vivo e sem rumo.
Bebi um pouco de escuridão
E apaguei as ruas
Enquanto comia um pedaço de vento.
Depois esqueci do mundo

E me desfiz entre o ser e o não ser.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

ANTIQUÁRIO

Gosto de visitar antiquários e me perder entre todos aqueles moveis, quadros e outros objetos antigos. Sei que todos foram em algum momento arrancados de algum lugar que se desfez, de vidas que findaram.  Há neles rastros invisíveis de cotidianos e histórias perdidas de simples acontecer privado que escapam a memória dos sobreviventes.


Antiquários são como um cemitério de coisas perdidas que nos são oferecidas para decoração de nossas vidas. Assim, os objetos transcendem seus donos e originais contextos. Resistem a morte e ao tempo embora não passem de simples obras humanas.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

A MISÉRIA DA ETERNIDADE

Não sei se gostaria de viver minha própria vida  eternamente.
Cansa um pouco ser eu mesmo,
Estar preso a este rosto e destino
E saber as coisas  do meu incerto ponto de vista.
Isto cansa tanto quanto saber as pessoas
E participar dos diários tumultos da sociedade.
Abomino definitivamente a ideia de eternidade,
Reencarnação ou qualquer hipótese idiota
De perpetuação pós morte da existência.
Apenas os tolos egocêntricos tomam como desejável

Tamanho absurdo.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

SOBRE TRAGEDIAS E LUTO

Diante de uma tragédia envolvendo a morte de centenas, o luto social revela não apenas a perplexidade que nos causa à fatalidade da morte, mas também nossa incapacidade de aceitar a fragilidade de nossa condição humana.

É contraditória a forma como socialmente lidamos com o luto coletivo, com a celebração da memoria daqueles que perdemos prematuramente  em acidentes.  No fundo não aceitamos uma premissa elementar da existência: viver é um fato aleatório que a qualquer momento pode findar sem qualquer razão. Uma simples coincidência desfavorável de eventos  pode ocasionar uma morte estupida. Estamos todos sujeitos a isso. Mas é saudável não pensar nisso e levar a vida como se sempre existisse um amanhã diante de nós. Ao mesmo tempo, entretanto,  também é importante relativizar nossas estratégias de existência traçadas a partir de uma perspectiva egoica e voltada para realização plena de nossas personas. De tanto vivermos em função de nossa adaptação a sociedade, muitas vezes abdicamos da experiência simples e gratuita de mergulharmos profundamente no superficial e raso de cada momento. 

INSIGNIFICÂNCIA

Uma vida é insuficiente para saber o mundo inteiro ou provar satisfatoriamente a existência.  Mas me contento com a pequena versão da realidade onde descansa minha consciência. Não pretendo mais do que este mísero instante. Viver, afinal, não é grande coisa. Por isso pouco me incomoda a morte. Não me importa realização pessoal e outros frívolos sucessos que nada acrescentam ao meu instante final.
Viver é nada...
Não cultivo a ilusão de qualquer valor.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

O DESEJO E O TEMPO

As Interdições e limites do meu acontecer diário
Dizem o peso do tempo sobre os meus atos.
O corpo não acompanha mais o desejo,
Nem as certezas cabem mais no pensamento.

Vejo adiante apenas o passado
Na lenta desconstrução  de mim mesmo.

Minha vontade  não se reconhece mais no que faço,
Nem tenho medo de qualquer consequência.

Sou livre apenas através  do  desejo
Que ainda me inspira a consciência
Contra mim mesmo.


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A MENTIRA DA VIDA

Passamos a existência tentando aprender a viver.
Até que tudo termina sem qualquer razão de ser.
Tudo que você considerava importante
Desaparece em um instante.
Tudo termina em silêncio
E não há nada a ser feito.
Não faz mais diferença quem você foi um dia.
Morrer é não ser,
viver é fingir que não sabemos
ou não nos importamos com isso.